sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

O Beijão



Herdei um livro sobre o Budismo do amigo Pires e adorei saber que a doutrina prega a atenção ao aqui e agora, apesar de muita gente imaginar que seria justamente o contrário. Que o povo zen é aquele que não está nem aí com nada. Mentira. E faz todo o sentido. Bom, juro que eu tento, mas estou longe do Nirvana. Sou aquela pessoa que não presta atenção nem na própria conversa... “... o que eu tava dizendo, mesmo?” Daí é que saem as preciosidades. Quando eu virar budista, aí você vai ver só. Vai ter que ler as pérolas de outra pessoa. Tudo isso pra contar sobre a vez que ia ligar lá em casa o pai de uma amiguinha de escola da minha caçula. O cara era todo formal. Fumava cachimbo! Rico! Distinto até o último fio de bigode. Parecia realmente um inglês. A gente já fica nervosa. Se tem uma coisa que ninguém quer é que o pai da amiga da filha saiba que você é meio maluca, não bate bem. Principalmente se vai convidar a menina pra ir na sua casa. Mas aí ele ligou. “Boa noite... Sim, claro... de acordo... “ e aqueles termos que você só usa com gente assim, que fuma cachimbo.  Consegui manter uma conversa bem educada, tal. No fim de tudo, aquele deslize antibudista: “Até amanhã, obrigada... beijão!” Eu disse BEIJÃO! BEIJÃO! Desliguei e saí gritando pela casa: “Beijão, beijão! Eu falei beijão pro homem! Beijão” Coitadinha da minha filhinha. Estava tudo arruinado. Eu só conseguia pensar nisso, aquela palavra ecoando: beijão, beijão! Mas aí passou o choque. Fazer o quê? Palavra dita não dá pra engolir de volta. Virou o apelido oficial do cara. “O beijão chegou. O beijão isso. O beijão aquilo”. Ele lá, com o cachimbo dele, tomando seu drinque com azeitona, ouvindo um jazz, nunca saberá que ganhou este carinhoso apelido na minha casa. É isso aí, Beijão! E nem faço ideia do seu verdadeiro nome.

Boa sexta!
(e beijão pra vc também)


sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Eu e o Mickey



Não. Não é o rato. Tratava-se de um rapaz judeu. Solteiro. E faz tempo. Hoje o cara deve estar no terceiro casamento. Mas isso não é da minha conta. Acontece que eu tinha lá meus 20 e poucos anos (como o Fábio Jr.) e tinha rompido um namoro longo de sete anos. Não sei se eu já disse aqui, mas sou a caçula de três irmãs de família, digamos, judaica. (“Digamos” porque lá em casa era meio avacalhado o negócio.) As duas irmãs já eram casadas, nenhuma com judeu ou algo perto disso. Nem operados de fimose, acho. Um amigão do meu pai, o Gunter, que a gente até chamava de tio, achou que eu era a última esperança. Imagina só. Meu pai estava viajando e o tio Gunter arrumou um jantar pra eu ir também. E convidou o Mickey, um rapazinho judeu. Olha a situação. Que coisa mais constrangedora, minha gente. Carreguei minha irmã Monica comigo pra dar uma aliviada pro meu lado. Era uma coisa muito chique e eu, realmente, não tenho nada de chique. Só desfilo por aí de tênis Olímpicos. Na hora do jantar, aquelas mil taças, talheres de prata, aquele silêncio de “nem tem conheço e preciso te amar! Quem é você, Mickey?” E esse nome, ainda por cima? Eu só conseguia pensar no rato. Bom, mas aí a conversa começou a rolar. O tema? Esqui nos Alpes. Que maravilha, hein? E eu nunca nem tinha visto neve! Quanto mais um esqui. Não dava pra abrir a boca. Meu assunto, naquela época, era justamente o Mickey (o rato), porque eu trabalhava na redação Disney de histórias em quadrinhos. Mas achei melhor deixar quieto mesmo. Nem trocamos telefones. Desculpa aí, paizinho. Shalom aí em cima. E o Mickey era meio chato. Os dois.

Rindo à toa



Sua filha chega e diz pra você: “Mãe, uma amiga minha te viu lá na Feira Plana, no domingo.”  (Verdade, eu estava mesmo lá). Mas aí, continua... “Ela disse que você estava rindo sozinha.” Hein? Peraí. “Rindo sozinha?” Não me lembro de estar rindo. Oh, god! Mas então a coisa tá feia mesmo. Se alguém, por exemplo, disser que me viu revirando uma caçamba cheia de lixo na rua, aí tudo bem. (Mais ou menos tudo bem, na verdade. Não gosto que me vejam fazendo isso.) Revirar caçamba é algo que me lembro de ter feito, mesmo com pessoas me olhando esquisito. Mas não gostei nadinha deste negócio de rir sozinha. Isso é coisa de gente doida, sô. O fato é que agora fiquei cismada. Como comprovar isto? Pensei em algumas possibilidades:
1) Contratar um desses detetives particulares. Eu pediria que ele me seguisse e, caso eu desse alguma risada, ele me fotografaria. Pronto! Um flagrante. Como ele costuma fazer com maridos e mulheres que pulam a cerca. Mas aí pensei... não vai dar certo. Vou rir desta situação e ele levará meu dinheiro no mole. Além do mais, o cara pode achar que sou maluca.

2) Andar sempre com aqueles fones de ouvido que as pessoas usam pra falar no celular. Na verdade, isso ajudaria muito. Não consigo mais saber quem tá falando sozinho ou não, quando estou passeando na rua.

3) Não sair na rua.

4) Usar um saco de papel na cabeça, com furos para os olhos.

5) Tentar participar da tal Feira Plana (onde fui vista), que é uma feira independente de quadrinhos e outras publicações, onde um dos requisitos para entrar é ser meio fora da casinha, se é que me entende.

Bom, achei que o melhor mesmo é tentar a opção 5. Eu aviso aqui se der certo. Ou aqueles malucos lá são todos de araque.

Boa sexta!


sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Língua enrolada



Outra história baseada em fatos reais. A mocinha, recém-saída de um longo namoro de sete anos, livre e solta na vida, conhece um rapaz bem gatinho e simpático numa superfesta de Ano Novo, na praia, numa casa bacanuda. Tava tocando até “All night long”, do Lionel Richie (Tá bom, a mocinha agora é meio velhusca. Paciência.). Dias depois, já em São Paulo, vida normal, o rapaz liga e convida a moça pra sair. Ela topa, toda contentinha. Na noite marcada, lá vão os dois a um barzinho da rua Henrique Schaumann. Então ele pede um suco (o cara era natureba, tipo saudável). Já a mocinha, totalmente imbecil, pede um daqueles drinques bem coloridos, de copo alto. Um arco-íris molotov, digamos assim. Por que será que ela fez uma coisa dessas? Ninguém nunca saberá. O fato é que, depois de alguns goles azuis, verdes etc... as palavras começaram a sair tortas, enroulaudaes... eusquiusitais... e nem dauva maeis pra counvearsar nauda, coeisa neunhulma...
“Putz, nãoum dá pra countroular está minha línguau maldiiita.”, pensou a desgraçada. Então ficou muda. Totalmente muda. Ele também, claro. Não ia ficar perdendo tempo com uma bêbada. Todo mundo sabe isso. Acabou o papo, acabou a noite, acabou a história. Ele nunca mais telefonou. Ela nunca mais bebeu drinques coloridos. E ponto final.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

A peça



Era um fim de domingo e minha filha mais velha me convidou gentilmente para ir ver uma peça com ela: “Morte e Vida Severina”, lá na rua Maria Antônia. Fiquei toda contentinha porque gosto de desmistificar este negócio de domingo à tarde só na preguicinha caseira. Comigo, não! Eu luto! Chegando lá, o arrependimento já bateu logo na entrada. As poucas pessoas eram encaminhadas para um corredor esquisito, com chão de terra. (!) Sujei meu sapato e fui indo, com a certeza de que não tinha volta. Sim, era um daqueles teatros esquisitos de performance. Uma coisa contemporânea, Deus do céu. Logo de cara me lembrei do amigo Eduardo Perácio, que levou as filhas pequenas a um evento desses no Centro Cultural Vergueiro. “Quer uma cenoura?”, diziam os atores com olhos arregalados, encarando as coitadas das meninas. “Quer um sapato?”. O Eduardo, que é um cara muito lido, não entendeu patavina. Tadinhas das crianças. Bom, mas o Edu que conte as histórias dele, o folgado. Acontece que chegamos ao “palco” e era um círculo de cadeiras em chão de terra batida. À meia luz. Realmente assustador. E eu ali já querendo o meu sofá e até o Bate-Bola que meu marido assiste depois do futebol. Tinha tão pouca gente que nem dava para você dar no pé. Eu e minha filha nos olhamos num misto de assustadas, revoltadas, ferradas. Então entraram os atores. Sujos, maltrapilhos, curvados. Eles andavam para lá e para cá nos rodeando e, pior, parando bem na nossa cara e arregalando os olhos de um modo desconcertante, segurando velas, falando sei lá que coisas. E eu só pensando: “Quer uma cenoura? Quer um sapato?” Será a mesma peça do Edu? Não. Era uma “releitura” de Morte e Vida, Severina” e, graças ao bom Deus, depois de um certo tempo, acabou! (Eu tinha dúvidas sobre isso.) Saímos daquele lugar penumbrento enfileirados no corredor de terra, todos nós, os 20 e poucos incautos. E renascemos! E foi uma delícia indescritível sair dali. Mais alegria ainda contar para a Luciana Faria e ouvir sua gargalhada gostosa. Ela havia sido convidada também, mas escapou, a espertinha.  

Boa sexta!